Férias, viagens, tempo livre para partir. Simples, não é? Planear o destino da viagem, reservar os hoteis na internet, reunir os guias turísticos, os roteiros de passeios, de lojas, restaurantes e os bilhetes de espectáculos a “não perder”, sem esquecer ainda as dicas da Joana, que esteve lá há 15 dias.
Fazer a contagem decrescente dos dias, na esperança febril de encurtar a distância que nos separa da data da partida, consultar a metereologia, e finalmente, fazer a mala, são, só por si, gestos plenos de um imenso gozo, o de vivermos por antecipação as memórias de um futuro ainda por cumprir, que iremos registar a cada passo, provas da marca da nossa passagem por locais desconhecidos, habitados por gentes ainda sem rosto com quem haveremos de nos cruzar.
Eufóricos, nervosos, expectantes, livramo-nos rapidamente e sem remorsos da velha pele que vestimos, conformados, ao longo do ano, e quais crisálidas em metamorfose acelerada, assumimos, confiantes, a nova pele de viajantes, como borboletas airosas no momento do primeiro vôo. Leves que nem plumas ao vento, partimos, deixando para trás as rotinas do nosso quotidiano, gastas de tão usadas, em direcção a um outro ponto de chegada, fazendo da rotina de outros o lugar da nossa novidade. Estranho não é?
Afinal, “fazer turismo” envolve alguma complexidade. Procuramos experiências novas, procuramos o outro, esse eterno desconhecido, esse que é diferente de nós e em quem projetamos a nossa própria diferença, sempre na procura da semelhança.
Nada de preocupante, porque o que importa mesmo é partir. Fechar a porta da rua com quatro voltas, não vá o diabo tecê-las, apanhar táxi, check-in no aeroporto, engolir comida de plástico no avião que já nem fingimos que é deliciosa, porque no fundo, Roma vale a missa!
Check-out, táxi, planta da cidade, folhetos, horários de visitas de tudo e mais alguma coisa, de preferência sem guia, que não há paciência para o “follow me”! Calças de ganga, ténis, máquina digital, um entra e sai frenético em museus, palácios e monumentos. Pausa para um café, pantomimas de rua no Quai D”Orsay, banhos de sol de inverno num banquinho de uma praça perdida em Veneza, horizontes sem fim em praias de areias douradas e mares azul-turquesa, pistas de Ski e
tanta neve…no deserto.
Compras, recordações, fotografias. Muitas fotografias, porque é só isso que se partilha com a família e com os amigos, connosco próprios, quando estivermos de novo em casa e já só nos restar recordar as emoções de uma viagem: o último verão nas Seychelles, Nova Iorque fora de horas, a coleção das amostras de shampoos retiradas de casas de banho de hoteis, o passageiro do lugar ao lado que ressonava alto e dava cotoveladas…tudo menos uma carteira roubada em Florença, o carro avariado no meio do Pantanal e o espectáculo musical do ano, perdido, em Berlin!
E pronto, férias terminadas, rotina retomada, a que de repente e por breves instantes, até achamos graça. Lar doce lar! Subitamente reencontramos o nosso lugar de sempre, e até parecemos contentes, até trocamos sorrisos cumplíces com o vizinho, que connosco se cruza na fila matinal do autocarro.
Mas o fim das férias e das viagens é sempre um choque difícil de “absorver”. Ainda mal refeitos de aterrarmos, de novo, neste planeta que é a realidade quotidiana, achamo-nos cheios de energia para enfrentarmos este “rame rame de casa-trabalho-casa” pelos próximos, longos, infindaveis 365 dias que nos esperam, tentando convencermo-nos que passarão depressa, ao ponto de até o café requentado do bar da estação parecer apetecível.
Depois, durante a viagem para o trabalho, damo-nos o direito a nova e breve fuga, para outra viagem. Nada de mais nostálgico e de mais delicioso que saborear, devagar e repetidamente, essas memórias avulsas de experiências vividas, prolongando o gozo do visionamento desse filme interior, do qual somos, a um tempo, realizadores e actores, antecipando já momentos futuros da próxima partida, que virá, sabe-se lá quando, talvez no próximo verão.
Memórias de experiências únicas que adoçam o amargor que se instalará devagarinho, pouco a pouco, com o passar dos dias cada vez mais curtos, mais frios e mais tristonhos, que anunciarão mais um inverno, o do nosso descontentamento.
Gostei deste texto.
Descreve na perfeição o que cada um de nós sente! A verdadeira emoção de aventura. A antecipação aos obstáculos que iremos encontrar. Os disparates cometidos, por querermos fazer tudo em tão pouco tempo!
É viver como se… não houvesse amanhã!
Depois o retorno, a um quotidiano que queremos mais é esquecer.
Parabéns Tatiana Pascoal. Adorei a tua escrita.