Tenho para comigo que este tema, tão polémico quanto importante, terá um dia um fim. Assim como clamo e anseio pelo fim do martírio incutido aos touros em praça pública, nas garraiadas, no touro à corda, nas largadas e afins, em qualquer parte do mundo. Quem se debruça sobre o tema, pode muito bem acrescentar, para além dos touros, os burros, os cavalos e os cães. Ao que parece e, tal como o algodão, as imagens não enganam, pois agora já tudo serve para alegrar o povo, especialmente em tempo de crise. Verdadeiras “touradas”! Já dizia o outro, dêem-lhes “pão e circo” e veremos como andam mansos e contentes! Na Antiga Roma era assim e funcionava. Ah, como funcionava! Tenho as minhas reservas se no futuro continuará a funcionar…
Não restam dúvidas que, em tempos mais remotos, esta prática tão ancestral, imperiosamente denominada de tradição (a demonstração de bravura de animais e igualmente humanos nas arenas), se alimentou do simples e puro prazer de ver a agonia e o digladio entre seres, revelando como a maldade e a perversidade ilimitadas faziam as delícias de quem aplaudia e vociferava freneticamente nas bancadas, movidos por uma bestialidade extraordinária. Mas também isto não é novidade, falo obviamente da desumanidade imanente ao ser humano, tão sublime e bárbara quanto inigualável.
Se outrora essas bancadas se enchiam para ver o sangue jorrar e todos rejubilavam com imagens hediondas, volvidos mais de 1.500 anos d.C., os seres humanos foram salvos das arenas porque as mentes mostraram vontade de mudança. Ainda assim, “a procissão vai no adro” no que concerne aos animais, e eu gostava que ela já estivesse a terminar! Afinal, vou repetir, passaram-se mais de 1.500 anos!!! Efectivamente já não se lançam as pessoas às feras, já não há gladiadores, já não se imola, chicoteia e empala em praça pública. Que chatice… Que fantásticas tradições, para acicatar a adrenalina e desviar as atenções, nos dias que hoje correm! Que espectáculo único! E aposto que as bancadas não estariam tão vazias, pelo menos tão vazias como agora as encontramos, em determinados dias de tourada no nosso querido Portugal. Calma, não vos quero dar ideias! Até porque estes actos já não são permitidos, nem mesmo como punição dos mais horrendos crimes (como violação, pedofilia, violência doméstica, crimes passionais, etc., etc.), pois, como todos sabemos, violam o mais sagrado dos direitos, a vida humana e a sua dignidade!
Não obstante, imbuídos do nosso sentimento de primazia e arrogância (pois que afinal fomos moldados “à semelhança de deus”) continuamos a considerar legitimo rebaixar, denegrir, mortificar e dominar implacavelmente outros seres que foram igualmente obra divina. É caso para dizer, “perdoai-lhes Senhor, que eles continuam a não saber o que fazem….”. No caso dos touros, parece que, nem todos os tauromáquicos têm o mesmo entendimento da tradição, sendo mais que muitas as contraditórias justificações para a sua permanência. Para além das que servem os interesses particulares e económicos, trata-se de “cultura”, de uma “tradição emocionante” de verdadeiro “amor” ao bicho, na qual ele tem oportunidade de mostrar a sua raça tendo a morte como galardão! Pois é, um “amor” tão grande que o animal até “agradece”, como se pode ver, a humilhação e o destino a que está consagrado! Dito desta forma, quase que parece obra de deus…
Resta-me tão-somente acreditar que as mentes e as emoções, que ainda não o fizeram, possam evoluir de tal forma que, num futuro muito próximo (pois que eu não quero “ir desta para melhor” sem que tal aconteça!), nas praças de touros se possa servir o bem e não o mal, a vida e não a morte, a alegria e não o sofrimento e que nasça assim uma nova civilização! Até lá, como ser humano que sei que sou, tenho de continuar com a cabeça baixa e esforçar-me para evitar que a vergonha me consuma.
(imagem retirada de: http://fotos.sapo.pt/olharparaomundo/fotos/?uid=fizkdihjgqdhrldla9fi)
Nota: Texto escrito com a antiga grafia
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