O Desporto Adaptado cresceu no nosso país, graças à força do ser humano, graças à vontade de viver. Aqui ser diferente é pré-requisito, não se aceitam pessoas ditas “normais”!
Desde 1998 que o Desporto Adaptado trás medalhas ao nosso país mas pouco ouvimos falar disto. Recentemente, graças às redes sociais, este assunto tem mais visibilidade mas não todo o reconhecimento merecido. E por isso, vou contar-vos uma história. História esta, que pode ser a de muitos, em homenagem aos grandes atletas que Portugal tem no Desporto Adaptado.
O Miguel tem 24 anos e é um vencedor nato! Ao longo da sua vida foi submetido a várias intervenções cirúrgicas, obrigatórias para poder continuar a respirar. Durante muitos anos o Miguel não soube o que era viver, apenas lutou para sobreviver. Disseram-lhe que a sua esperança de vida era de 16 anos… a luta já valeu a pena. Quando nasceu colocaram-lhe um selo na testa que dizia: Paralisia Cerebral. Será que ele precisa deste rótulo? Não, claro que não.
O seu corpo fala por si. Independentemente de se conhecer a sua história e/ou a sua patologia quando o encaramos percebemos as suas dificuldades, impressiona o seu corpo disforme e para compreender a sua fala, só abrindo o coração, é que as suas palavras ganham forma no íntimo do seu interlocutor.
Começar a viver
Ainda na infância, encontrar escola que o aceitá-se foi um grande desafio, mas desse, ele pouco se lembra. Ficou a cargo dos pais e da associação que o acolheu. Ainda hoje toda a família agradece à Associação de Paralisia Cerebral de Évora todo o apoio, era lá a sua casa, ali a palavra discriminação não existia. Todos eram iguais na sua diferença.
Quando se deparou com a consciência de si próprio teve vontade de desistir da vida, sentiu-se um pedaço de gente. As dificuldades físicas diárias associadas à discriminação social só dificultaram o sorriso. Mas existia dentro dele uma força maior! Palpitava nele a vontade de ser melhor, de mostrar ao mundo que ser diferente é ser original: igual a si próprio, sem seguir padrões, maleável às circunstâncias da vida.
Com a ajuda de todos e, acima de tudo, dele próprio, navegou pelas marés da aceitação e do auto-conhecimento. Aos poucos foi-se descobrindo, encontrou motivações desconhecidas e outras esquecidas.
Quando se via a vibrar com um jogo de futebol ou com o atletismo soube, no seu íntimo, que tinha espírito de atleta, mas…
Como ser um atleta com tantas limitações?
Iniciou a busca, agora fora dele próprio, ainda com a ideia que o desporto não era para ele… Foi quando descobriu o Desporto Adaptado.
Na Associação de Paralisia Cerebral de Évora, experimentou a Natação Adaptada, onde se divertia imenso. Contudo, a sua assimetria corporal não lhe permitiu grandes avanços. Para além disso, as infecções respiratórias não o ajudavam nos treinos e acabou por desistir.
“Parece que não sou um atleta, um atleta não desiste por coisas tão pequenas” – com uma vida repleta de lutas, é normal ele não compreender que uma infecção respiratória é algo grave, embora lhe pareça banal, face a tudo o que já viveu.
Experimentou, depois, o Remo Indoor, modalidade esta que não o cativou muito, faltava qualquer coisa. Sentia-se mais perto de ser um atleta mas desmotivado.
Havia ainda outra opção: o Boccia. O Miguel não estava muito interessado, tinha a ideia que era parecido a um jogo de tabuleiro e que a actividade física era reduzida. “Isto não é bem um desporto” – pensava ele – todos temos os nossos preconceitos, e o Miguel não é excepção… a esta regra!
Certo dia, um amigo, que já conhecia o Desporto Adaptado, conseguiu convencê-lo a ir experimentar o Boccia, afinal não tinha nada a perder. O Miguel lá foi, muito reticente mas contente por ir acompanhado pelo seu amigo, afinal já tinha amigos!
No primeiro dia teve alguma dificuldade em entender as regras, mas saiu de lá satisfeito. Talvez o Desporto Adaptado fosse mesmo um caminho. Prometeu voltar pelo menos mais uma vez. E voltou, e outra e outra. Começou a treinar com frequência, começou a ganhar, a ganhar muitas vezes, com distinção dentro do grupo.
Competir a sério no Desporto Adaptado
A uma velocidade incrível as competições de Desporto Adaptado surgiam à sua volta.
O Miguel tremia, agora não devido à patologia mas sim ao nervosismo, pelo medo de se expor num contexto totalmente fora da sua área de conforto, com pessoas que nunca viu, em sítios que nunca esteve. Como ia ele enfrentar um público numa competição?
Como em tudo na vida, chegou a um momento decisivo, ou aceitava a proposta para competir a sério ou não valia a pena continuar. Então, treinou muito, dedicou-se de alma e coração com toda a força da sua alma.
Chegou ao local da primeira competição ainda a tremer. Marcou pontos e todos vibraram com as suas jogadas. O Miguel estava feliz, já nem precisava ganhar, sentiu ali um reconhecimento que, nunca antes, tinha sentido na sua vida. O jogo terminou… e ele, ganhou! Ganhou um segundo lugar na classificação final, mas a sua vitória era muito maior que um número. Ganhou confiança nele mesmo, na sua capacidade de trabalho, na sua vontade de evoluir. Este prémio não podia ser entregue por mais ninguém, a não ser por ele próprio.
Mais competições se seguiram, ele treme sempre antes de entrar, mas entra para ganhar. E ganha, ganha muitas vezes. É hoje, atleta federado pela Federação Portuguesa de Desporto para Pessoas com Deficiência, especialistas em Desporto Adaptado. Continua a lutar, agora não para sobreviver mas sim para viver.
Desporto Adaptado – Ser diferente
A sociedade faz-nos um apelo constante para sermos diferentes mas formata-nos diariamente para sermos iguais – paradigma estranho este, não?
Todos achamos muito gira a ideia de ser diferente e poucos compreendemos como é difícil ser diferente na sociedade em que vivemos.
O Desporto Adaptado promove a integração das pessoas portadoras de deficiência, mostra ao mundo que todos podemos ser atletas e mostra, a estes atletas, que todo o mundo pode ser deles!
Teremos nós, ditos normais, a força necessária para ser diferentes?
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